segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Velório

No geral, acontecimentos tristes me são enxurradas de inspiração. Sempre fui dada a pensamentos melancólicos e nostálgicos, mas quando algo de muito ruim acontece, como a morte ao meu redor, tenho a necessidade de escrever.
Eu vi aqueles rostos. E embora eu quisesse expressar meus sentimentos, apenas conseguia olhar. A dor emocional tem o poder de me calar e na mesma proporção, acelera o meu metabolismo mental. Em suma, nada falo, mas observo, vejo e processo absolutamente tudo.
Vi choros sentidos e sinceros, bem como não me passou despercebido os artísticos, dignos do Oscar. Ouvi lembranças de alguns e piadas furtivas e de péssimo gosto de outros. Vi e ouvi “amigos” falando mal, e conhecidos distante, prestando suas honrosas e sinceras homenagens e palavras de consolo. Observei pés nervosos, sem conseguir parar um só instante, também palavras fúteis, colocadas propositalmente para consolar ou aliviar a densidade do ambiente, na tentativa de acalentar um coração em cálidos e gélidos pedaços. Enquanto um cachorro circulava entre os presentes de uma maneira tão atrevida quanto despercebida. E uma criança que passeava inocente e alheia a tanta dor. Haviam máscaras, muitas. A da dor e pesar fingidos e as de fortaleza e controle emocional inabaláveis. Justo uma dessas que mais me doeu. O constrangimento de um filho flagrado chorando, escondido num canto qualquer, tentando inutilmente me convencer que, os reais motivos de seus olhos inchados e rosto molhado se deviam ao excessivo calor daquela manhã.
Falou-se de quase tudo nas seguidas horas. Jogos de carta, doces roubados e brincadeiras por cima do muro, parentescos e tempo da distância, e até do próprio calor. Ative-me por vezes e sem demora a conversas tão fúteis quanto possível. Entre uma Ave-Maria e outra, comentários desnecessários, no pé da orelha de um ou de outro, na tentativa vã de me desligar, afastar meus pensamentos, olhos e ouvidos, daquela avalanche de sentimentos, vontades e péssimas lembranças que aquele cenário me trazia. Porém o pior ainda estava por vir, e de fato não tardou. O desespero incontrolável de uma filha, ao ver o caixão se fechar, colou meus pés no chão, e pudesse eu comparar meus sentimentos e angustia a um estado físico, estaria o meu naquele dado momento em estado sólido e localizado inconvenientemente entre meu peito e minha garganta. Lembrei de Keyla e do desespero que tive ao ver aquela mesma cena. Logo eu, que sempre tive pavor de cenas e exibição, que nunca chorei em público e me desagrada bastante o fazê-lo, me vi envolta desses mesmos sentimentos novamente. Olhei, procurei, mas nada, nem ninguém estava disposto a abrir mão de seu próprio pesar em prol do outro. Mas tinha ela, a filha, e embora alguns segundos tivessem se passado, ninguém pareceu perceber que ela se afastara do meio, querendo não assimilar a cena que acabou de ver. Nada pude fazer, ou nada mais falso poderia sair de minha boca, do que as palavras que disse: - Vai passar, vai passar. E mesmo eu querendo muito me parecer sincera, mesmo eu querendo fervorosamente acreditar nas minhas palavras, eu tinha uma consciência me lembrando cruelmente, que pra mim, ainda não havia passado.

2 comentários:

Aline disse...

Chamo de interessante um post deste, pq me surpreende a captação da sensibilidade alheia q existe em vc, inda aquelas q como vc mesma diz: merecem o Oscar.
É antagônico chamar isto de belo, mas tua escrita é profunda mana.
Não pela morte, mas pela tua arte em captar e trazer à tona essas emoções.
Vc é show.

Anônimo disse...

Apenas alguém que conhecem tão profundo as pessoas pode captar com tamanha sensibilidade essas passagens. Continuo lendo seus post e admirando vc ainda mais.
E concordando com o comentário acima, vc é definitivamente show, de pessoa, de mulher, de ser humano.
Beijos Rico